A telessaúde foi ampliada e aprimorada pelas universidades públicas na pandemia
Dentre as reconfigurações, novos arranjos e inovações implementadas para atuação na pandemia, entre diversas outras, chama a atenção e merece destaque a expansão das ações no campo da telessaúde, abarcando um conjunto de iniciativas e modalidades de saúde digital, mobilizando saberes, serviços e tecnologias das universidades, que aqui detalharemos. A telessaúde no Brasil não é exatamente uma novidade, data dos anos 1990 e algumas das nossas universidades públicas já eram centros de excelência desde então. A possibilidade de um acompanhamento médico à distância, em contextos de pandemia, na verdade é uma prática muito antiga, anterior à tecnologia da computação, e remonta à peste negra na Idade Média, quando médicos se isolavam para não se contaminar e atender à população, contando com mensageiros comunitários para transmitir as informações de prevenção, isolamento e tratamento.
A pandemia de Covid-19 produziu novo impulso global na telessaúde, tendo em vista a necessidade emergencial de realizar orientações e triagens para desafogar o sistema hospitalar – já hiperlotado e à beira do colapso.
No Brasil, as universidades públicas, desde o primeiro mês da pandemia, foram fundamentais no avanço da telessaúde em várias modalidades, assim como no desenvolvimento de aplicativos e sites, na colaboração com o SUS, e no atendimento à distância. Milhares de estudantes e docentes da área de medicina, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social, nutrição e psicologia foram mobilizados. E, na outra ponta, estudantes de tecnologia da informação, ciências da computação, engenharias, design, comunicação e jornalismo, na produção de novos softwares e apps, painéis de monitoramento, visualização de dados, georreferenciamento e desenvolvimento de bancos de dados em tempo real.
Na pesquisa realizada pelo SoU_Ciência, 59% das universidades federais declararam ter atuado fortemente no avanço da telessaúde e instaurado novos centros e sistemas em parceria com laboratórios de tecnologia, prefeituras, governos estaduais e, claro, com o SUS. Os números apresentados no gráfico abaixo são dinâmicos e poderão crescer com a mudança na conjuntura, com aumento provável da telereabilitação em função da Covid longa, ou mesmo com atualização de dados no painel do SoU_Ciência.
As modalidades de atuação são: Teleorientação via ligações telefônicas, mensagens, emails e plataformas virtuais, com foco em pessoas em situação de vulnerabilidade social, na prevenção e ao enfrentamento da pandemia; Teletriagem, verificando gravidade e conduta em cada caso, evitando a sobrelotação do sistema e encaminhamento para atendimento quando necessário; Teleatendimento realizando consultas na modalidade remota para pacientes suspeitos ou com diagnóstico positivo de Covid-19; Teleconsultoria especializada para atender demandas e dúvidas de profissionais de atenção primária e gestores; Telemonitoramento no acompanhamento de casos confirmados de Covid 19 de grupos específicos (como idosos ou populações de territórios vulneráveis); e Telereabilitação com atividades físicas online, terapia ocupacional e fisioterapia de forma preventiva (durante o período de isolamento social) e terapêutica para o pós Covid (ou Covid longa). Alguns exemplos mostram a capilaridade das iniciativas. A Federal da Bahia (UFBA) estabeleceu um dos maiores sistemas de atendimento, o “Tele Coronavírus” em parceria com a Fiocruz Bahia, mobilizando 1,2 mil estudantes da área de saúde e 70 professores voluntários. A Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) criou um aplicativo de teleorientação e autoatendimento que foi utilizado em vários estados, desenvolvido por seu Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde. Já a Federal do Espírito Santo (UFES) teve projeto premiado voltado à criação de uma ferramenta para auxiliar profissionais da saúde mental no tratamento de pessoas que tenham desenvolvido fobia social desencadeada pela pandemia.
A Federal de Lavras (UFLA) criou um Ambulatório Virtual e o app Mais Saúde em Casa. Por sua vez, a Federal de Minas (UFMG), em parceria com outras sete universidades federais, estruturou a Rede de Teleassistência de Minas Gerais e o sistema de teletriagem do estado. A Federal do Oeste da Bahia (UFOB) forneceu teleconsultoria a profissionais do SUS que atendem meio milhão de habitantes na região. No Sul, a Federal de Pelotas (UFPel) e suas startups Fácil Consulta e Ideorum-data health criaram um prontuário eletrônico unificado com teleconsulta.
No interior de São Paulo, a Federal de São Carlos (UFSCar) promoveu telereabilitação pulmonar pós infecção e terapia ocupacional online. A Federal do Tocantins (UFT) criou o programa UMAnizando no apoio a idosos isolados, com suporte que incluiu compras em supermercados e farmácias por estudantes voluntários.
A mobilização das universidades em todas essas frentes, com diferentes áreas de conhecimento se associando no desenvolvimento de tecnologias e sistemas, com a ampliação das equipes de atendimento e a formação de estudantes em tempo real, sempre sob supervisão, trouxe avanços fundamentais na formação de profissionais e no atendimento em massa à população.
Se o mercado privado muitas vezes adotou a telessaúde como forma de redução de custos, precarização das relações entre profissionais e pacientes, com objetivo de aumentar a lucratividade às custas da diminuição qualidade assistencial; no caso das universidades públicas vimos uma ação em sentido oposto: o fortalecimento da relação e compromisso dos estudantes e servidores com os usuários; no acompanhamento e monitoramento não apenas dos casos suspeitos de Covid, mas de outros tipo de enfermidades cujo cuidado foi prejudicado pela pandemia, para que não fossem desassistidos; no apoio a profissionais nas periferias com suporte de telediagnóstico e teleorientação pelas universidades etc. Diferentemente de outras ações emergenciais temporárias, como hospitais de campanha, a ampliação da telessaúde deve ser consolidar no SUS como modalidade de acompanhamento e de suporte rotineiras, cumprindo um papel complementar importante nos sistemas de prevenção, orientação e cuidado.
A atuação no combate ao vírus, baseada em evidência científica, organizada como política pública e comprometida com a defesa do povo brasileiro é um aprendizado que irá marcar a história do país, das universidades e, em especial, dos nossos estudantes: uma geração de jovens profissionais marcada pela vivência desse momento de mutirão nacional em defesa da vida.