Pesquisa, Tecnologia e Inovação

Confiança de brasileiros na ciência cresce graças às pesquisas das universidades públicas na pandemia



Cientistas que pertecem às instituições públicas são hoje os profissionais mais confiáveis na opinião de brasileiros e brasileiras, entre 10 opções apresentadas a entrevistados em todo o país. As pesquisas  sobre percepção da ciência pela sociedade brasileira são realizadas desde 2010 pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI) e Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), e foram atualizadas em 2022 pelo SoU_Ciência em parceria com o IDEIA Big Data. Com 1,2 mil pessoas entrevistadas em todo o país, os dados e análises desta pesquisa mais recente foram apresentados no site do SoU_Ciência e em matéria na Folha de S.Paulo.
Em pergunta sobre qual profissional é a fonte de informação em que mais confia, quase a metade da população (41,6%) escolheu "cientistas de instituições públicas". Nem sempre foi esta a percepção da população brasileira: em pesquisa de 2015, por exemplo, jornalistas, médicos e líderes religiosos estavam à frente de cientistas.

Essa nítida mudança na percepção pública de brasileiros, que temos definido como uma "onda pró-ciência" em meio ao negacionismo, que tem no governo federal brasileiro um de seus pilares, destaca a ciência como "sujeito político" e uma das principais forças de oposição na atualidade. Tal fenômeno decorre de múltiplos fatores: a própria pandemia e como compreendê-la; os embates públicos e em redes sociais sobre a gravidade da pandemia, as características do vírus, os procedimentos de prevenção e tratamento eficazes ou não; a má condução dos Ministros da Saúde e as sucessivas trocas de comando da pasta, a repercussão e espaço dado na mídia para o tema e para a fala de cientistas, o aumento do número e de seguidores dos divulgadores científicos, a aplicação das vacinas e os resultados positivos na redução de internações e óbitos, a própria CPI da Pandemia etc.

Aqui neste estudo de caso destacamos, ainda que não seja o único a merecer uma análise mais profunda, um dos fatores que deram aos cientistas de instituições públicas esse destaque: as pesquisas realizadas nos laboratórios universitários trazendo evidências sobre o vírus e sobre a eficácia das vacinas, desenvolvidas em tempo recorde. Devido ao respaldo das universidades, no Brasil e no mundo, sobretudo das universidades públicas e autônomas, as vacinas, sejam elas produzidas por órgãos estatais ou empresas privadas, alcançaram a confiança da maioria da população, porque eram avidamente desejadas, mas principalmente por sua eficácia. 

Universidades públicas brasileiras estão conectadas internacionalmente com pesquisas em tempo real em colaborações como a Rede CoVPN e com outras universidades estrangeiras, como a de Oxford, compartilhando dados de avaliação sobre a eficácia e segurança das vacinas em desenvolvimento. Nacionalmente, as pesquisas são compartilhadas entre laboratórios de diversas universidades, que atuam em cooperação em comitês científicos, com a Anvisa e com o Programa Nacional de Imunização (PNI). Ou seja, pesquisas básicas e clínicas são feitas com importantes sistemas de colaboração, controle e publicização de resultados, ampliando a confiabilidade, transparência e amplitude dos dados e análises.

Outro ponto de destaque foi a atuação da rede das universidades federais em diversas cidades para o recebimento e manutenção das vacinas, incluindo as  que necessitavam de condições de refrigeração  especiais (com freezers -70ºC, por exemplo). 

Quanto ao desenvolvimento da vacina brasileira, atualmente cerca de dez universidades mantém processos em andamento e testagens - as mais avançadas são as da UFRJ, UFPR e UFMG. A principal iniciativa federal é coordenada pelo CT-Vacinas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), envolvendo outras universidades. A Unifesp também mantém parceria com a USP, na vacina por spray nasal. Laboratórios públicos também estão participando de iniciativas de transferência de tecnologias.

Vejamos alguns casos de destaque: A Federal de São Paulo (Unifesp) se destacou coordenando nacionalmente a parceria com a Universidade de Oxford na testagem da vacina AstraZeneca. Também colaborou com a pesquisa clínica da efetividade da terceira dose de todas as vacinas aplicadas no Brasil e está pesquisando a vacina por spray nasal com a USP. No Espírito Santo, a UFES testou a efetividade de doses menores da vacina AstraZeneca para populações mais jovens e realizou inquéritos epidemiológicos com população carcerária.

A UFRN também testou a eficácia da AstraZeneca e da vacina Clover (ainda não aplicada no Brasil). Em Santa Maria-RS, a UFSM participou também dos estudos da AstraZeneca e Clover, e criou uma Unidade de Pesquisa Clínica (UPC) em 2020, para estudos de grande porte e impacto na área de vacinas para Covid-19, com 16 projetos em desenvolvimento, sendo 3 grandes pesquisas sobre vacinas Covid. Em Brasília, a UnB também participou das pesquisas clínicas da Coronavac e desenvolve pesquisa de estratégias para a produção de vacinas eficientes e de amplo espectro.

Em Goiás, a UFGD participou da rede de estudos de caso-controle com a Fiocruz. A UFMG, além de integrar a rede CoVPN e CT-Vacinas, como mencionamos, realizou pesquisas clínicas das vacinas Coronavac e Janssen. A UFMG e a Federal de Viçosa estão desenvolvendo vacina nacional baseada em sistema de "quimeras", proteínas recombinantes que induzem resposta imune.  Ainda em Minas, a UFOP avançou na pesquisa de imunoinformática para identificação do desempenho da reação de células e vacinas contra Covid. 

No Rio Grande do Sul, a UFPel participou de estudos nacionais para avaliar a efetividade e segurança das vacinas, além de liderar estudos epidemiológicos (rede Epicovid-19) e de curvas de óbitos evitáveis a partir da aplicação da vacina. No Paraná, a UFPR atuou na testagem da Coronavac e da Pfizer e está desenvolvendo vacina nacional a partir de biopolímeros e proteínas virais. No Rio, a UFRJ também está à frente de pesquisas para a vacina nacional, também com tecnologia de proteína recombinante. A ideia é que, ao ser injetada no organismo, essa proteína recombinante “ensine” o sistema de defesa a reconhecer a ameaça da Covid-19, de forma a criar uma memória imunológica de autodefesa. 

O que apresentamos é apenas um recorte das pesquisas relacionadas direta ou indiretamente às vacinas contra Covid-19. As pesquisas ainda contaram com sequenciamento de genoma do vírus e diagnóstico molecular; desenvolvimento e reposicionamento de  fármacos; pesquisas epidemiológicas; desenvolvimento e aplicação de testes sorológicos; pesquisas sobre sequelas (Covid longa e pós-Covid); pesquisas sobre impactos socioeconômicos e ambientais etc.  

A lentidão relativa e perda de capacidade do sistema público de vacinas no Brasil é decorrente, sobretudo, das interferências realizadas no comando do Programa Nacional de Imunizações pelo governo Bolsonaro que afetaram a coordenação e priorização da cobertura vacinal das vacinas que compõem o Calendário Nacional de Vacinações e do desinvestimento na área nos últimos anos. Resulta, ainda, da fragilização da capacidade institucional e de fixação de pesquisadores/as jovens e de alto nível. Associações de cientistas como a SBPC, ABC, entre outras, além da própria ANDIFES, vêm denunciando o impacto dos cortes e do contingenciamento do FNDCT.  

Mesmo sofrendo ataques ideológicos e sucessivos cortes orçamentários, o sistema público de educação superior, ciência e tecnologia mostrou-se fortemente ativo e produzindo informações relevantes de utilidade pública, sobre vacinas, tratamentos e demais políticas  públicas. 
Confiança de brasileiros na ciência cresce durante a pandemia - Sou Ciência
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