As Universidades Federais realizaram não apenas centenas de pesquisas na área clínica e epidemiológica sobre a Covid-19, mas também dezenas de avaliações dos impactos sociais e econômicos da pandemia, em especial sobre as populações em situação de maior vulnerabilidade. São os chamados efeitos indiretos da pandemia, relacionados à perda de trabalho e renda, aumento da informalidade, da pobreza e da fome, entre outras vulnerabilidades socioespaciais. De um lado foram avaliadas as consequências negativas da Covid no aprofundamento das desigualdades históricas e estruturais da sociedade brasileira e, por outro, foram monitoradas as políticas públicas que deveriam enfrentá-las, como o auxílio emergencial.
Diversas dessas pesquisas foram realizadas em parceria com comunidades e movimentos sociais, destacando algumas das iniciativas populares de autodefesa e empoderamento local, quando as políticas públicas claramente se mostravam insuficientes para conter o aumento das vulnerabilidades e desigualdades sociais. Isso significou também uma metodologia inovadora de pesquisa-ação em cenário de crise sanitária profunda, vivida pelo Brasil nos dois últimos anos e meio, que deixou quase 700 mil mortos e níveis de insegurança alimentar equivalentes aos do século passado,
com 33 milhões de pessoas passando fome.
Vejamos os temas e questões das pesquisas socioeconômicas de algumas das nossas universidades federais. A Unifesp, por exemplo, mapeou o aumento das desigualdades sociais nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista, analisando 14 comunidades em contexto de vulnerabilidade socioeconômica em comparação com um bairro-controle de classe média. O relatório envolveu 108 pesquisadores, metade deles bolsistas, incluindo agentes comunitários locais. O Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG participou da plataforma World Pandemic Research Network (WPRN), com 100 instituições acadêmicas publicizando pesquisas sobre impactos socioeconômicos da Covid-19.
No Rio de Janeiro, a UFRJ atuou em rede com a Fiocruz, a UERJ e a PUC-RIO na avaliação dos prejuízos sociais e econômicos e apoiou o enfrentamento da Covid-19 nas favelas da região metropolitana. Em Porto Seguro, na Bahia, a UFSB avaliou os impactos negativos na atividade turística na região e como as comunidades indígenas reagiram à pandemia. No interior do Rio Grande do Sul e de São Paulo, a Unipampa e a UFSCar mapearam consequências para a agricultura familiar. Em Santa Maria, a UFSM estudou a (in)segurança financeira das famílias em virtude da pandemia e a situação enfrentada por migrantes e refugiados. Em Uberlândia, a UFU avaliou o impacto no comércio e criou indicadores.
Em Brasília, a UnB estudou o efeito socioeconômico no setor de alimentação nos presídios e para imigrantes e refugiados. A UnB também fortaleceu redes e iniciativas populares, com mobilizações que defendem o acesso à água como direito, cidades saudáveis, agroecologia e soberania alimentar na região periurbana de Brasília. Em Salvador, a UFBA avaliou o impacto socioeconômico na atividade docente, de profissionais da saúde e em grupos vulneráveis (crianças, idosos, indígenas, quilombolas). Já no Maranhão, a UFMA estudou as consequências da pandemia nos quilombos.
No que se refere à atuação das Universidades na avaliação e monitoramento das políticas públicas na pandemia, a UFMG criou o Observatório Social da Covid-19 para informar a ausência de atuação do poder público e as implicações decorrentes. No Rio Grande do Sul, a UFSM também criou um Observatório Socioeconômico, para verificar os impactos e estimar cenários de recuperação para as economias e realidades sociais dos municípios da região. Em Goiás e em São Paulo, a UFG e a Unifesp estudaram os resultados dos programas de transferência de renda direta e indireta, como o auxílio emergencial. No Oeste da Bahia, a UFOP fez análises comparativas entre municípios que estavam vivendo fases diferentes da pandemia.
O quadro geral é de universidades mobilizadas para compreender os impactos, realizando pesquisas envolvendo as próprias comunidades, monitorando e orientando políticas públicas - com o objetivo de fortalecer a cidadania e garantir direitos.
Diversas pesquisas deixaram evidente que a pandemia de Covid-19 é grave, mas é conjuntural, pois os problemas estruturais enfrentados pelas populações em maior situação de vulnerabilidade se acumulam e vão muito além do vírus. A pandemia visibiliza e aprofunda situações já vivenciadas e a falta de acesso a direitos já negados ou limitados – e com reduzidos avanços em retrocesso na última década. Ou seja, a pandemia funciona como um evento extremo que evidencia de forma ainda mais explícita e nítida a desigualdade estrutural e brutal da sociedade brasileira, mas não é sua causa.
O vírus amplificou essa situação de enormes perdas impostas aos trabalhadores e trabalhadoras, com desemprego em massa e perdas salariais, com a contra-reforma trabalhista e previdenciária, com a emenda do teto dos gastos e os sucessivos cortes nas políticas públicas. É, por isso, elemento revelador e acelerador de um processo em curso, cujos agentes econômicos e políticos precisam ser reconhecidos e responsabilizados.