Se o Governo Federal não apenas falhou, mas atrapalhou o combate à pandemia, como demonstraram diversos estudos e o relatório final da CPI da Pandemia, as Universidades Federais, com sua autonomia em relação ao Governo, foram capazes de apoiar o SUS em várias frentes, como apresentamos neste Painel em Defesa da Vida, em seus eixos e categorias temáticas, e nos estudos que fizemos de numerosas boas práticas.
Para uma breve contextualização do fracasso do Governo Federal no apoio ao SUS durante a pandemia, resumimos aqui as conclusões de
pesquisa realizada pelo Laboratório de Saúde Coletiva (Lascol) da Universidade Federal de São Paulo, por encomenda do Ministério Público Federal (MPF/SP). Entre os principais problemas, foram destacados: 1) a falta de planejamento e coordenação generalizada, em vários níveis e setores; 2) o baixo desempenho do Governo Federal na alocação dos recursos e na sua execução para o enfrentamento à pandemia de forma apropriada e à altura da demanda, gerando atrasos na transferência dos fundos de saúde para Estados e Municípios, reduzindo a capacidade e a velocidade de ação; 3) por outro lado, os créditos suplementares liberados pelo Congresso demonstraram que o país não “quebra” ao superar o regime fiscal de teto dos gastos; 4) por fim, a crescente dependência de insumos e equipamentos importados demonstra que, além da necessidade de ampliação do investimento na rede assistencial pública, é preciso retomar a capacidade nacional em pesquisa, ciência e tecnologia com soberania.
As universidades federais e os mais de 50 hospitais universitários (HU), todos referências em qualidade de atendimento do SUS em seus estados, e atendendo os casos de maior complexidade, foram decisivos para complementar o sistema emergencialmente e de forma qualificada. Nosso painel apresenta as ações da quase totalidade de universidades que contam com hospitais, ambulatórios e cursos da área de saúde na ampliação de leitos e assessoramento a comitês locais, estaduais e regionais.
Foram ações generalizadas de ampliação de leitos de enfermarias, de UTIs, novas alas emergenciais, entre outras ações adotadas por muitas universidades, simultaneamente e de forma coordenada com os gestores do SUS nos Municípios e Estados. Quase todos os HUs foram reorganizados, novos fluxos e protocolos foram definidos, alas e/ou unidades específicas e isoladas para o Covid foram criadas e rapidamente mobilizadas. Leitos em todos os níveis de complexidade e atenção foram ampliados, incluindo os de pré-alta e de reabilitação (pulmonar, cognitiva etc). Foram reformados, ampliados ou reconfigurados espaços para centros de diagnóstico e postos de vacinação.
As universidades também desenvolveram sistemas e plataformas de gerenciamento inteligente de leitos da rede, para otimizar a ocupação em municípios e regiões. Realizaram formação de profissionais e residentes em diversas especialidades, qualificando a atenção e a orientação a pacientes e público em geral, em tempo real. Deram apoio aos profissionais da linha de frente em todos os níveis, incluindo saúde mental e apoio às suas famílias, no caso de adoecimento e, infelizmente, de mortes dos próprios profissionais. Ou seja, a rede de atenção, acolhimento e amparo incluiu de pacientes e familiares aos profissionais, professores, residentes e suas famílias.
As universidades e seus HUs se articularam com o SUS e as Secretarias de Saúde, assessorando e participando de Conselhos, Comissões e Comitês de Vigilância Epidemiológica e de Enfrentamento à Pandemia, municipais e estaduais. E tiveram atuações fundamentais em serviços de vigilância, monitoramento e análise epidemiológica e ambiental. Detalharemos noutro estudo de boas práticas as ações da área epidemiológica.
Na coordenação com governos e SUS, merece destaque o
Consórcio Nordeste. O Consórcio, criado em 2019 depois dos ataques de Bolsonaro aos governadores do nordeste, estabeleceu práticas integradas nas políticas públicas (e de saúde, em particular), em compras compartilhadas, em parceria com observatórios e laboratórios universitários. Desde o início da pandemia, em março de 2020, criou um comitê científico para o combate à Covid-19. O Comitê, coordenado pelo professor Miguel Nicolelis (UFRN), contou com 9 subcomitês temáticos e a assessoria de 11 universidades federais. Não foi casual que o número de vítimas da Covid-19 por 100 mil habitantes no nordeste foi 30% menor do que no conjunto do país (
230 contra 325 na média nacional, por 100 mil habitantes).
O
Painel SoU_Ciência em parceria com a ANDIFES apresenta esse quadro, ainda mais amplo, incluindo uma diversidade de ações e áreas de conhecimento envolvidas na mobilização do sistema de Universidades Federais em defesa da vida. A tragédia da pandemia no Brasil sob um governo negacionista teria sido ainda maior sem a ampla atuação coordenada das universidades, secretarias municipais e estaduais, conselhos e comitês de assessoramento ao SUS. Os historiadores do futuro terão material abundante para reconhecer quem realmente esteve do lado da vida nesse período sombrio da história brasileira.